Discurso formatura de Jornalismo | UFRGS 2019/1
Nessa noite, pedimos licença para lhes contar uma história.
Era uma vez, em um reino não tão distante, mergulhado em tempos de trevas, uma jornalista chamada Esperança.
Esperança era idealista. Não conseguia assistir o que acontecia sentada em uma sala de aula. Esperança queria ser voz. Queria dar voz a todo e cada uma.
Esperança reuniu aqueles dos quais conhecia o descontentamento com a condição do reino para compartilhar sua grande ideia: Vamos criar um jornal!!! Contar para essa gente toda o que o tirano faz por ódio e põe na conta do seu Deus.
Os murmúrios eram de dúvida. Mas como boa idealista, Esperança não desistia e acabou por convencer por A+B cada um naquela sala sobre a importância de ser jornalista! “É de interesse público”, dizia ela.
E foi assim que nasceu um jornal que tinha por objetivo ser humano. Por ser humano, talvez contrariasse as 58 milhões de pessoas que escolheram aquele que traria para o reino uma nuvem de pânico e ódio.
Por ser humano, talvez tocasse parte desses 58 milhões lhes mostrando quem sofre mais com essa tirania. Era nessa segunda opção que a jornalista Esperança acreditava. Mas a lista de quem precisava ser ouvido era grande.
Em uma tarde, voltando para casa cheia de sonhos, Esperança sentiu estar em um pesadelo. Passava por um supermercado quando viu um homem açoitado. Era negro. E como o tirano que governava o reino já havia declarado “nem para procriar servem”, esse não tinha direito a ter esperança. Mas nossa jornalista não tinha medo e escreveu a manchete na capa “1800 OU 2019?”
A vida, no entanto, açoitava não só corpos como sonhos. Esperança viu seu reino queimar. Foram dias e dias de fumaça e desespero, alimentados pela ganância dos homens que para lucrar, não medem consequências e não se preocupam com o futuro. A fumaça da sua amada floresta quase lhe matou, mas Esperança não desistiu e revelou aquilo que eles queriam esconder: O PULMÃO DO NOSSO REINO QUEIMA. O mundo ouviu Esperança e os tiranos daqui não puderam mais se esconder por trás de suas cortinas de fumaça.
Infelizmente, tirania nenhuma se sustenta sozinha, o governante do reino tinha seu respaldo em outras instâncias. Para Esperança, isso ficou claro no momento em que um governante provinciano usou de sua autoridade para calar o amor. Onde já se viu podar cultura por preconceito. “NÃO À CENSURA” seria o editorial do dia seguinte. A imagem de capa? Os mesmos dois homens se beijando que a intolerância tentou esconder como se errados fossem.
Esperança achava que os tiranos nada mais poderiam fazer contra seu povo, quando ouviu o braço direito do governante entoar em alto e bom som: “nós, homens, nos sentimos intimidados pelo crescente papel da mulher em nossa sociedade. Por conta disso, parte de nós recorre à violência para afirmar nossa superioridade”. Nesse momento, Esperança lembrou de Mariele, de Maria, de Joana e tantas outras, que a cada 4 minutos sofrem algum tipo de agressão no reino e decidiu que seria resistência e escreveu no jornal em letras garrafais: NEM UMA A MENOS!
Quando percebeu que revelar essas atrocidades era a melhor forma de atingir aqueles 58 milhões que não mais acreditavam, Esperança decidiu compartilhar seus conhecimentos, viu na universidade a oportunidade de formar muitos mais, que como ela, poderiam acabar com a tirania do reino, porém, o malévolo governante percebeu que conhecimento é poder e cortou pela raiz os desejos de Esperança.
Agora, Esperança andava cabisbaixa. Havia perdido seu viço de jornalista iniciante. O bloco e a caneta não carregava mais em punho, mas guardados no fundo do bolso. Um dia, andava olhando para o chão quando esbarrou em Resistência.
Essa, caminhava de cabeça erguida por mais que apanhasse a cada passo. Joelhos já flexionados pelo cansaço da estrada. Não tinha bloco e caneta. Ela carregava livros. Resistência era professora.
Deram-se as mãos.
Reconheceram-se na luta.
Viram os seus serem açoitados pelas palavras, mandos e desmandos de um governante tirano que tem nome e sobrenome: Jair Bolsonaro.
Viram seu reino ruir e sua bandeira ser tomada em um reino com nome de Brasil. Mas não soltaram as mãos. Como fazemos agora.
Portanto, deem-se as mãos. Colegas, professores, familiares e amigos. Deem-se as mãos. Olhem-se nos olhos. Olhem nos nossos olhos.
Nos vejam humanas. Com direitos.
Somem esperanças.
Porque sou negra
branca
amarela
vermelha
homem
mulher
não-binário
cis
trans
gay
lésbica
hétero
bi
pam
Sou brasileira
E lhe dou a mão
Porque aqui: NINGUÉM SOLTA A MÃO DE NINGUÉM!!!!
Oradoras: Liz Ribeiro Diaz e Thayse Ribeiro
Fonte: https://medium.com/@thayse_sfr/discurso-formatura-de-jornalismo-ufrgs-2019-1-ff942217ef11